A estrada pela qual chegamos à maturidade atravessa,
necessariamente, a escuridão e a solidão. A escuridão, porque sofrer implica
perder as referências, desdenhar das explicações, questionar os clichês e
aventurar perguntas. A escuridão é o momento quando não caminhamos porque
vemos, mas porque intuímos, recordamos e temos fé. Intuímos o rumo certo pelo
tanto que já caminhamos, recordamos as experiências aprendidas em momentos
semelhantes no passado e andamos por fé, que supera as trevas, prescinde de
explicações e transcende as certezas.
A solidão é imprescindível na trilha do sofrimento. A dor
pode ser compartilhada, mas jamais transferida. Pode ser percebida, mas não
capturada. Pode até ser escondida, mas nunca suprimida. Quem sofre, sofre
sempre em solidão. Não necessariamente porque lhe falta boa e providencial
companhia, mas porque todo sofrimento pessoal, em sua dimensão mais profunda e
essencial, é intransferível. O sofrimento tem sua realidade particular, e não
pode ser diferente: cada um sofre por uma razão, é vitimado em áreas distintas,
por motivos diversos e com respostas as mais variadas, num dégradé de
resiliência que vai da meninice do chororô ao heroísmo quase estóico, incluído
entre os tons das cores a grandeza da fé, resignada e esperançosa, e por isso
engajada e mobilizadora.
O sofrimento desperta para o ético e o estético. Convoca
virtudes adormecidas a que subam ao palco: coragem, perseverança, paciência,
honradez, respeito à vida. Possibilita o lapidar do caráter, apara arestas,
harmoniza as formas, faz irromper a beleza escondida na frieza do coração. O
sofrimento quebranta orgulhosos, vaidosos e prepotentes, faz desmoronar
intransigentes, legalistas e moralistas. Como o martelo do escultor, retira os
excessos da pedra e dá à luz o belo, o sublime, o deslumbrante.
Quem sofre descobre seus limites identificam verdadeiras
amizades, vislumbra novos horizontes, abre a mente para novas verdades e o
coração para novos amores. O sofrimento produz compaixão, evoca misericórdia,
gera solidariedade. O sofrimento cria caminhos para arrependimentos e
confissões, subverte juízos e sentenças, possibilita aproximações e
reconciliações.
O sofrimento coloca homens, mulheres, velhos e crianças,
de joelhos. Faz com que os olhos procurem os céus. Dilata a alma para o
mistério, conclama o espírito para o inefável, inspira poesias e canções, faz
surgir nos lábios o perfeito louvor. Quem sofre aprende a perdoar e pedir
perdão. Ganha a oportunidade de colocar o rosto no chão, em clamor e oração. O
sofredor jamais chora em vão. Deus habita também a sombra e a escuridão.
O sofrimento é o ônus do viver, o custo do amor, a paga
pelo crescimento, o preço da maturidade. Viver é muito perigoso, já dizia
Guimarães. Amar é muito precioso. Crescer é muito doloroso. Amadurecer é muito
custoso. Crer é coisa de teimoso. O sofrimento diminui o poder da morte,
dissolve a crueldade da indiferença, envergonha a pequenez da alma, desmascara
o mundo de mentirinha da ingênua infância, quebra a maldição da incredulidade.
Aceitar a realidade e inevitabilidade do sofrimento é escolher a vida, decidir
amar, optar pela plenitude, apostar na fé.
Fonte: Ed René Kivitz
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