O processo de globalização tem um alcance muito além da
economia. Como um sistema total, que incorpora elementos sociais e políticos,
essa transição mundial foi colocada em marcha por diversas forças históricas e
filosóficas. Neste contexto, a religião encontra-se na dianteira e no centro da
busca por um novo paradigma internacional.
Em nenhum outro lugar isto é mais evidente do que na
reorientação filosófica em direção ao universalismo religioso — a ideia que
todas as religiões e fés são simplesmente caminhos divergentes que
eventualmente levam ao mesmo objetivo final.
O controverso teólogo católico Hans Küng, defendeu essa
posição no prefácio que escreveu para o livro The Meaning of Other Faiths:
"... após o ecumenismo intraprotestante e intracatólico, chegamos
irrevogavelmente à terceira dimensão ecumênica, o ecumenismo das religiões do
mundo!" [1].
Marcus Braybrooke, presidente do Congresso Mundial das
Fés, refletiu sobre como a religião poderá ser alterada em uma cultura global:
"Minha esperança — embora certamente não seja a
esperança de todos no movimento interfé — continua sendo que o diálogo
eventualmente trará a convergência ou, pelo menos, que a teologia se tornará
uma disciplina inter-religiosa, ou uma 'teologia global'... um compartilhamento
do Espírito. Somente esse compartilhamento tornará possível a recuperação dos
valores espirituais que oferecem esperança para um mundo que está em
agonia." [2].
Se uma teologia mundial ou uma "convergência"
religiosa é parte do processo de globalização, podemos ver prenúncios dessa
mudança hoje? A resposta pode ser encontrada em uma tendência cada vez mais
aceita na sociedade: o universalismo religioso.
Este relatório tem três propósitos:
Demonstrar que essa transição no pensamento está
ocorrendo agora.
Explorar alguns dos atores históricos que promovem e
fazem avançar o universalismo religioso.
Contemplar a resposta cultural que poderá ocorrer pela
aceitação do universalismo como uma norma social e analisar alguns paradoxos na
posição.
Não Importa
"Não importa se você é cristão, ou budista, ou
muçulmano, ou judeu", assim me garantiu um homem com quem conversei. Ele
então fez uma pausa e enfatizou: "Somos todos iguais. Todas as religiões
são caminhos para Deus."
Esta não foi a primeira vez que encontrei o universalismo
religioso, mas foi um dos exemplos pessoais mais perturbadores, pois o
indivíduo que defendia essa filosofia declarava ser um cristão. Em retrospecto,
esse encontro não deveria ter sido uma surpresa. Muitas pessoas que afirmam
serem cristãs estão rapidamente assimilando o universalismo religioso.
Jonathan Cooper, o administrador do site da Galeria de
Arte de Nova Gales do Sul, escreve a respeito de uma experiência similar com
uma pluralista pós-cristã: "Recentemente, uma amiga me surpreendeu ao
dizer que não mais se identificava como uma cristã. Ela me disse que ainda
orava, porém não mais aceitava a crença que há somente um caminho para
Deus." [3].
Em setembro de 2007, em uma discussão no blog
MotherJones, uma pessoa expressou uma opinião que é hoje compartilhada por
muitos cristãos: "Sou cristão, porém acredito que existem muitos caminhos
para Deus. Estou cansado de ouvir pessoas da minha fé dizerem que há somente um
caminho..." [4].
Não há dúvida que o contexto religioso/cultural/histórico
cristão do mundo ocidental está sob severa pressão. O pluralismo espiritual,
outro termo que denota o universalismo religioso, se inseriu no tecido da
sociedade que antigamente era reconhecida como predominantemente baseada no cristianismo.
Assim, a confusão parece reinar de igual forma nos púlpitos e nos bancos das
igrejas.
Em 2002, o Instituto Barna realizou uma pesquisa sobre os
cristãos americanos — aqueles que afirmavam aderir a crenças cristãs
específicas de acordo com as perguntas no questionário — em uma tentativa de
identificar onde esse grupo demográfico se posicionava teologicamente. Barna
descobriu que "9 de cada 10 adultos possuem pelo menos uma Bíblia e 8 de
cada 10 se consideram cristãos, mas você nunca saberia isto a partir da imensa
variedade de crenças religiosas professadas pela maior parte das
pessoas..." [5].
Comentando sobre as inconsistências encontradas, o
relatório do Instituto Barna observou:
"Se os padrões subjacentes a estas opiniões parecem
ser inerentemente contraditórios, isto pode ser no mínimo parcialmente
explicado pela disposição das pessoas de extrair conceitos de uma variedade de
fontes teológicas conflitantes. Isto é talvez mais claramente evidente pela
descoberta que uma pluralidade de adultos (44%) afirma que 'a Bíblia, o Alcorão
e o Livro de Mórmon são todos diferentes expressões das mesmas verdades
espirituais'. Apenas 38% dos americanos rejeitam essa ideia. Os únicos
segmentos da população que divergem dessa visão são aqueles na faixa etária dos
57 anos ou mais (35% aceitam a noção, 36% a rejeitam e os 29% restantes não têm
certeza); os evangélicos (10% concordam com a afirmação e 84% discordam);
cristãos nascidos de novo não-evangélicos (40% concordam e 45% discordam);
evangélicos (10% concordam com a afirmação, 84% discordam); e aderentes das
igrejas protestantes (39% concordam e 47% discordam)." [6].
Além disso, no livro Soul Searching: The Religious
and Spiritual Lives of American Teenagers, publicado em 2005, foi revelado que
60% dos jovens americanos aderem a alguma noção de religião pluralista ou
universalista, como "Todas as religiões são igualmente verdadeiras",
ou "Todas as religiões compartilham a mesma visão da verdade
subjacente." [7].
Em outras palavras, 60% dos líderes do amanhã aderem ao
universalismo hoje. Esta estatística mostra que nosso mundo está diante de uma
enorme transformação social, religiosa e cultural.
Exemplificando a importância dessa transição a partir da
perspectiva de um defensor, Ebrahim Patel, fundador do Núcleo Interfé Juvenil,
sediado em Chicago, recentemente afirmou: "Acreditamos que se você quiser
a paz no século 21, tem de criar o pluralismo religioso. E se você quiser o
pluralismo religioso, tem de capacitar a mocidade para ser a vanguarda."
[8].
Ironicamente, enquanto o universalismo religioso está
sendo adotado pelos adolescentes americanos e cristãos professos ocidentais, os
jovens nascidos em famílias hinduístas estão achando esse conceito
inconsistente. O Dr. Frank Morales, um especialista em filosofias asiáticas e
que também é um sacerdote ordenado no hinduísmo, escreveu a respeito de uma
reclamação comum que encontra ao visitar pais hindus:
"Educamos nosso filho para ser um bom hindu. Nós o
levamos ao templo nos feriados importantes. Quando ele tinha 13 anos, chegamos
até a enviá-lo para passar fins de semana em acampamentos hindus. Agora, aos 23
anos, nosso filho abandonou o hinduísmo e se converteu para a religião (preencha
os espaços em branco). Quando perguntamos como ele pôde ter deixado a religião
de sua família, a resposta que ele nos deu foi: 'Vocês sempre me ensinaram que
todas as religiões são iguais e que realmente não importa como uma pessoa adora
a Deus. Qual é o problema se segui seu conselho e mudei de religião?" [9].
Procurando as Raízes
No continente americano, na Europa e nas nações
ocidentalizadas da Oceania, o fenômeno do universalismo religioso parece
derivar do movimento da contracultura do fim dos anos 1960s e início dos anos
1970s. Foi durante aquele tempo que o status quo da sociedade foi
questionado e desafiado por uma geração que se rebelou abertamente contra as
normas e padrões tradicionais.
Espiritualmente falando, foi naquela época que nasceu o
moderno Movimento de Nova Era, que ajudou a definir o rumo para o pensamento
pós-moderno atual. (O pós-modernismo é definido como uma trajetória cultural
que rejeita os valores ocidentais e os parâmetros convencionais e aceita o
relativismo, o pluralismo e a interdependência.).
Todavia, as raízes do pluralismo religioso ocidental são
muito mais profundas. De fato, os fundamentos da mentalidade pós-moderna e
universalista atual podem ser rastreados até diversos fatores filosóficos e
sociais de centenas de anos atrás. Entretanto, para este artigo, analisaremos
somente quatro fatores culturais dignos de nota e os examinaremos em uma
estrutura de tempo que é relevante para nosso mundo moderno.
1. A Maçonaria
A Maçonaria é conhecida como a maior, mais antiga e mais
proeminente sociedade secreta no mundo ocidental. Houve um tempo na América do
Norte em que as lojas maçônicas podiam ser encontradas em quase todas as
cidades pequenas, grandes e minúsculas. Os membros da Maçonaria exerceram
papéis significativos em todos os principais aspectos estruturais dos Estados
Unidos — desde a constituição do país até seu sistema educacional, desde suas
comunidades militares e de inteligência até seus ofícios judiciais, pastorais e
o presidencial. A Europa também foi enormemente impactada pela Maçonaria, como
também outras regiões do globo. Milhões de homens buscaram a luz da Loja
Maçônica e foram moldados pelos ritos e rituais da Ordem.
Para muitos de nós no século 21, um tempo em que a
autoridade da Loja diminuiu em comparação com o crescimento de outros fatores
culturais, é difícil entender plenamente o alcance que a Loja teve no tecido da
comunidade maior. Entretanto, as marcas deixadas na sociedade são
inconfundíveis e o universalismo é uma delas.
Em 1871, o Supremo Conselho da Jurisdição Sulista dos
Estados Unidos, o mais alto órgão maçônico no país, publicou a obra de seu
líder mais estimado, o ex-general-de-brigada confederado Albert Pike.
"Ela [a Maçonaria] reverencia todos os grandes
reformadores. Ela vê em Moisés, o Legislador dos judeus, em Confúcio e
Zoroastro, em Jesus de Nazaré e no Iconoclasta Árabe, Grandes Instrutores da
Moralidade e Eminentes Reformadores, se não mais, e permite que todo irmão da
Ordem atribua a cada um desses um elevado e até Divino Caráter, conforme seu
Credo e Verdade requeira. Assim, a Maçonaria não desacredita verdade alguma e
não ensina a descrença em credo algum..." [10].
Pike também descreveu a Loja como um lugar em que "o
cristão, o hebreu, o muçulmano, o hindu, os seguidores de Confúcio e de
Zoroastro, podem se reunir como irmãos e se unirem em oração ao único Deus que
está acima de todos os Baalim..." [11].
Ao longo dos anos, outros filósofos da Maçonaria
defenderam esse universalismo como a expressão religiosa e filosófica maior.
Manly P. Hall, certamente um dos mais importantes maçons do século 20, escreveu
o seguinte em seu livro The Lost Key of Freemasonry (As Chaves
Perdidas da Maçonaria):
"O verdadeiro maçom não está limitado por credos.
Ele entende com a iluminação divina de sua loja que, como um maçom, sua
religião precisa ser universal. Cristo, Buda, ou Maomé, o nome pouco significa,
pois ele reconhece a luz e não o portador. Ele adora em todo santuário,
inclina-se diante de todo altar, seja em templo, mesquita ou catedral,
compreendendo com seu verdadeiro entendimento a unidade de toda a verdade espiritual...
todas as religiões são apenas uma história contada de diferentes maneiras por
pessoas cujos ideais diferem, mas cujo propósito maior está em harmonia com os
ideais maçônicos... Nenhum verdadeiro maçom pode ter a mente estreita, pois sua
Loja é a expressão divina de toda a amplidão." [12].
Além disso, como a Associação do Serviço Maçônico nos diz
em seu relatório, Universality of Freemasonry (A Universalidade da
Maçonaria), o objetivo da Ordem é unir os homens "em uma irmandade
pacífica baseada com o vínculo comum de adoração do único Deus de nós
todos." [13].
Nada disto teria muito significado se a influência da
Loja sobre a cultura e a comunidade nos séculos 19 e 20 estivesse relegada a um
mero aspecto secundário. Mas, não é o caso. Na América do Norte somente,
centenas de milhares, talvez até milhões de homens frequentadores de igrejas
ajoelham-se diante do altar da Maçonaria — incluindo um grande número de
pastores, presbíteros, diáconos e professores da Escola Dominical.
Esses homens compreendem o universalismo religioso que é
subjacente na Loja Maçônica? Muito provavelmente não, e pode-se afirmar hoje
que um grande número dos membros ainda é relativamente ignorante a esse
respeito. Afinal, a maioria dos maçons vê a Loja como pouco mais do que uma
fraternidade social e raramente investiga as profundezas da filosofia esotérica
que é encontrada em seus rituais e ensinos. Por um lado, os líderes maçons já
declararam categoricamente que a organização esconde esse conhecimento mais
profundo de seus membros, até o tempo em que eles estejam preparados para
compreender e aceitar essas "verdades mais elevadas". [14].
Expandindo essa faceta da ignorância religiosa, Manly P.
Hall explica:
"Todavia, mesmo se os assim chamados segredos da
Maçonaria fossem proclamados publicamente, a Fraternidade estaria absolutamente
segura, pois certas qualidades espirituais são necessárias para que os
verdadeiros segredos maçônicos possam ser compreendidos pelos próprios
irmãos." [15].
"Na verdade, existem blocos entre os irmãos que
gostariam de divorciar a todo o custo a Maçonaria tanto da filosofia quanto da
religião. Entretanto, quando pesquisamos os escritos de maçons eminentes,
descobrimos um ponto de vista unânime, ou seja, que a Maçonaria é um organismo
religioso e filosófico." [16].
Há pouca dúvida que esse componente "religioso e
filosófico", que coloca o universalismo em seu centro, tem sido um fator
sutil, porém influente nas vidas de milhões de clérigos e líderes da
comunidade. A estrutura social pluralista e pós-moderna dos dias atuais deve
muito aos fundamentos lançados pela Maçonaria.
2. A Teosofia
Poucos no público geral já ouviram falar na Teosofia. Ao
contrário da Maçonaria, a Teosofia não recebeu o reconhecimento geral da
comunidade e a credibilidade que foi conferida à Loja Maçônica. Entretanto, o
papel da Teosofia na promoção do universalismo é colossal.
A Teosofia, que existe de forma organizada desde o fim do
século 19, mistura as religiões orientais com o ocultismo ocidental. Cherry
Gilchrist, autora de Theosophy: The Wisdom of the Ages, explica a teosofia
como a "busca da sabedoria".
"A Teosofia incorpora uma procura pela sabedoria que
teve de lutar contra as visões religiosas fechadas do século 19 e início do
século 20. Outras linhas esotéricas e ocultistas daquele tempo estavam criando
seus próprios caminhos silenciosamente... A Teosofia objetivava abrir as portas
para revelar o esplendor da sabedoria universal, uma sabedoria enterrada no
coração de todas as genuínas tradições religiosas e ocultistas. A partir dessa
perspectiva ampla, uma nova visão nasceu, pois um novo contexto teve de ser
criado para conter e reformular essa sabedoria. A Teosofia ajudou a abrir a
mente humana para as verdades universais e criar uma nova estrutura por meio da
qual elas podem ser compreendidas." [17].
Destacando sua história inicial e a obra de sua
excêntrica e eletrificada fundadora, Helena Petrovna Blavatsky, Gilchrist
explica a prontidão do mundo ocidental em aceitar de braços abertos Blavatsky e
seus ensinos:
"Se pudermos nos imaginar vivendo na Europa e nos
EUA no século 19, as limitações em visão que existiam tornam-se muito
aparentes, pois a ciência materialista estava ganhando a supremacia e o
cristianismo estava em uma fase de camisa de força em que os fiéis não pensavam
por conta própria, nem tentavam encontrar seu próprio caminho nos mistérios
sagrados. Espiritualmente falando, a civilização ocidental desejava aspirar ar
fresco. Hoje, assumimos como uma coisa natural a facilidade que temos de obter
estudos esotéricos e religiosos de todos os tipos, mas essa abertura deve muito
ao advento da teosofia. Blavatsky apareceu como uma força de primeira
importância na cena europeia e, embora seus ensinos tenham sido vistos com
desolação pelos ortodoxos, para aqueles que estavam desejosos por novos
horizontes, eles abriram uma porta para outros mundos." [18].
Blavatsky ensinava que todas as religiões se originaram
da mesma fonte básica e que toda a humanidade deveria se voltar para os antigos
mistérios pagãos e para as religiões orientais na busca por sabedoria. Além
disso, na busca pela verdade, a doutrina esotérica era interpretada e extraída
do Judaísmo, do Cristianismo e do Islã, levando assim o indivíduo para a
conclusão que todas as fé emanaram de uma Deidade universal. William Q. Judge,
outro líder inicial do movimento, foi direto nessa aplicação universal:
"Somente a Teosofia, inclusiva de todos os sistemas e de todas as
experiências, dá a chave, o plano, a doutrina e a verdade." [20]. Essa
declaração dá significado à divisa da Teosofia: "Não há religião superior
à verdade."
O objetivo primordial da Teosofia, de acordo com a
fundadora H. P. Blavatsky, é "reconciliar todas as religiões, seitas e
nações debaixo de um sistema comum de ética, baseado nas verdades
eternas." [21].
Para este fim, a Sociedade Teosófica e suas várias
ramificações levaram mestres e gurus orientais para os EUA e para a Europa. Na
verdade, os líderes da Teosofia produziram o "renascimento espiritual do
budismo e do hinduísmo" no Ocidente durante o início do século 20. [22].
Lojas da Teosofia também foram abertas na Inglaterra,
Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Na Alemanha, os ensinos
teosóficos exerceram um papel no desenvolvimento da ideologia esotérica do
nazismo, incluindo o conceito do arianismo. [23]. Na Índia, onde a Sociedade
Teosófica estabeleceu sua sede internacional em Madras, a sociedade fundou
centenas de escolas teosóficas para as crianças. Hoje, o movimento ainda está
ativo, com filiais e subgrupos envolvidos no trabalho interfé global e até na
política internacional, como por exemplo os esforços da Lucis Trust / World
Goodwill em apoio à Organização das Nações Unidas. [24].
Como declarado anteriormente, a Teosofia é relativamente
desconhecida do público, porém sua influência é inegável. A autora Gilchrist
nos lembra das consideráveis realizações que essa busca pela
"verdade" teve sobre o mundo ocidental:
"Embora sua origem esteja no século 19, a
perspectiva teosófica tem muito em comum com a da Nova Era e, pode-se dizer com
justiça, que foi o ímpeto da Teosofia que permitiu que todo o Movimento de Nova
Era viesse a existir." [25].
"A Teosofia já alcançou muito em trazer os ensinos
do budismo e a filosofia da Índia para o Ocidente e em abrir a mente europeia
para a ideia que nenhuma religião ou sistema de crenças tem o monopólio da
verdade." [26].
3. O Movimento Unitário-Universalista
Pequeno em número e relativamente novo como uma religião,
[27] o Unitário-Universalismo (UU) é uma igreja organizada que permite que
fiéis de todas as formações espirituais se unam na busca pela sabedoria
universal.
Com relação à sua abrangência geográfica, a religião UU é
encontrada majoritariamente nos Estados Unidos, com mais de 1.000 congregações
espalhadas pelo país. Existem igrejas unitário-universalistas em outros países,
porém tipicamente são pequenas e isoladas em comparação com o cenário que
existe nos EUA.
Embora o Movimento Unitário-Universalista tenha sido
criado nos fundos de duas congregações cristãs hereges, a Igreja Universalista
(que acreditava na salvação universal) e a Fé Unitária (que rejeitava as
doutrinas da trindade e do pecado), o UU atual não adere a credos, dogmas e
doutrinas. Essencialmente, a fé unitário-universalista cria um espaço de
"crença positiva" para as pessoas de todas as religiões se reunirem e
adorarem em tolerância, com o objetivo de trazer paz à família humana.
Com esta visão de unidade na diversidade, o movimento UU
se apresenta como um modelo para a harmonia e progresso da humanidade, vendo a
igreja como uma síntese de vários sistemas de crenças e "jornadas
espirituais". De acordo com uma pesquisa regional realizada em 1997, os
membros do UU aderem aos seguintes sistemas de crenças: humanistas (54%),
agnósticos (33%), centrado na Terra (31%), ateístas (18%), budistas (16,5%) e
pagãos e cristãos registrando ambos 13,1%.
James Casebolt, o acadêmico da Universidade de Ohio que
realizou a pesquisa, comentou: "O típico respondente sentia a necessidade
de recorrer a três ou quatro termos para conseguir descrever suas visões
teológicas." [28].
Essa abertura para todas as expressões espirituais permite
que o adorador da UU veja cada religião como detentora de um elemento da
verdade, e que a igreja UU atue como um catalisador para o desenvolvimento
pluralista. Escrevendo sobre o sistema unitário um ano antes da fusão com a
denominação universalista, o autor Jack Mendelsohn coloca esta dimensão
inter-religiosa em foco:
"É muito atraente pensarmos em nós mesmos como uma
ponte para as muitas religiões do mundo. Afinal, não temos mitos especiais a
defender, nem credos a impor. Estamos abertos para tudo o que é eticamente
melhor nas religiões do mundo e, por meio da liberdade, da razão e da
tolerância, nos sentimos preparados para extrair de cada uma das grandes fés
seus fervores morais." [29].
Entretanto, o unitário-universalista busca um prêmio
ainda maior: "Afirmar a unidade do universo, a unidade da família humana,
a unidade da verdade já descoberta e da que ainda está por descobrir, a
validade universal da livre investigação e o nascimento do homem
universal." [30].
Logicamente, para que esse "homem universal"
possa surgir, o pluralismo religioso precisa se desenvolver como um padrão
político e cultural. Aqui está o ponto crucial. Ao contrário da Maçonaria, que
influencia por meio de um relacionamento com a comunidade, e ao contrário da
Teosofia, que introduziu as religiões orientais no Ocidente e deu origem ao
Movimento de Nova Era, a contribuição unitária ao universalismo religioso
reside em outra arena: no ativismo social.
Se os unitários-universalistas deixaram sua marca em
algum lugar, é na definição de tendências. Historicamente, a congregação
unitária apoiou o abolicionismo, o movimento da temperança (NT: Uma
campanha pela redução no consumo de bebidas alcoólicas) e as liberdades civis.
Mais recentemente, a Igreja Unitário-Universalista endossou os estilos de vida
dos homossexuais, lésbicas e transgêneros, e entrou na história ao se tornar
"a primeira denominação importante nos EUA a adotar uma posição de apoio
ao reconhecimento jurídico do casamento entre indivíduos do mesmo sexo."
[31].
O Movimento Unitário-Universalista também apoia as
políticas pró-aborto, as posições ambientalistas centradas na Terra, soluções
de gestão internacional para o aquecimento global e a legalização dos
narcóticos ilícitos, entre uma infinidade de outras questões sociais
"progressistas". [32]. O pluralismo religioso também se tornou um
tipo de ponto de manifestação sociopolítico, levantando o estandarte da
tolerância espiritual como norma para o público e, ao mesmo tempo, rejeitando
dogmaticamente o fundamentalismo religioso. [33].
O ativismo e o pluralismo unitário-universalista são
reconhecidos e aplaudidos dentro dos círculos acadêmicos esquerdistas e
progressistas, bem como no círculo da justiça social.
Consequentemente, não é incomum encontrar grupos de
estudos do unitário-universalismo nos campi universitários e ver essa filosofia
adaptada nos cursos de artes liberais. A Escola Teológica de Harvard, uma das
mais proeminentes escolas de graduação nos EUA, tem uma longa associação com a
religião unitária e recentemente abriu vagas para professores no curso de
Estudos Unitário-Universalistas. [34].
Walter Martin, um autor cristão que investigou as seitas,
reconheceu os avanços que o movimento unitário-universalista fez dentro desse
segmento da sociedade:
"Com suas atitudes, crenças e práticas humanistas e
progressistas, não é maravilha que o movimento desfrute de popularidade na
progressista América." [35].
Embora a Igreja Unitário-Universalista seja numericamente
insignificante, ela exerce um papel importante em modificar a percepção da
sociedade com relação à religião e à espiritualidade.
4. A Fé Bahá’í
Com muito mais aderentes do que o Movimento
Unitário-Universalista, e com uma abordagem inegavelmente global, a fé Bahá'í
precisa ser mencionada como uma importante contribuição para o universalismo
religioso.
A religião Bahá'í surgiu na Pérsia e tem origem no
Islamismo, porém se transformou em uma religião independente com suas próprias
revelações especiais. Em comparação com as outras religiões que existem no
mundo, o movimento Bahá'í é relativamente novo, pois surgiu nos anos 1850s e
1860s.
Um dogma central do Bahaísmo é a crença que todas as
religiões têm uma origem comum. Como uma fé organizada, ela "reconhece a
unicidade essencial das grandes religiões do mundo." [36]. One
Country, a publicação da Comunidade Internacional Bahá'í, explicou isto da seguinte
forma:
"A Fé Bahá'í é capaz de unir pessoas de formação tão
diversa porque ensina que existe somente um Deus, que em toda a história se
revelou por meio de uma série de mensageiros divinos — incluindo Abraão,
Krishna, Zoroastro, Moisés, Buda, Jesus e Maomé." [37].
Este atributo religioso universal também foi expresso na
Declaração Bahá'í de 1993 à Comissão dos Direitos Humanos da ONU:
"... a revelação religiosa é contínua e progressiva
e que, desde o início da história humana, Deus periodicamente enviou educadores
divinos ao mundo para guiar a humanidade. O aparecimento desses educadores
divinos — Krishna, Buda, Zoroastro, Abraão, Moisés, Cristo, Maomé e, em nossa
época atual, o Bab e Baha'u'llah — significa a fundação de uma nova religião,
porém nenhuma dessas religiões é realmente nova; cada uma delas é um estágio do
desenvolvimento da mesma verdade religiosa que procede do mesmo Deus."
[38].
Como a Maçonaria, a Teosofia e a Igreja
Unitário-Universalista, o significado do movimento Bahá'í está centrado em quem
ele influencia. Compreender este aspecto requer que entendamos sua visão.
O endosso da fé Bahá'í ao universalismo religioso deriva
de seus ensinos a respeito de um vindouro sistema de um mundo unificado,
completo com um governo internacional, uma única moeda global e uma fé
universal. [39]. Prevendo o tempo quando o mundo será pacificamente gerenciado
por uma entidade centralizadora, econômica, política e religiosa, estabelecida
em grande parte por meio do trabalho da comunidade Bahá'í — a fé Bahá'í apoiou
consistentemente esforços internacionais, como a criação da Liga das Nações.
Quando a Organização das Nações Unidas foi fundada, a fé Bahá'í abraçou esse
novo organismo como o veículo principal para a governança global. Hoje, a
Comunidade Internacional Bahá'í (CIB) — que representa a religião na comunidade
mundial — defende abertamente essa visão planetária. No processo, a Comunidade
se tornou um dos mais veementes proponentes do fortalecimento da ONU.
Fornecendo alguns detalhes superficiais sobre o lado
operacional dessa conexão ONU/Bahá'í, a CIB escreve:
"Representantes da fé Bahá'í estavam presentes em
San Francisco, em 1945, durante a fundação das Nações Unidas. Em 1947, as
comunidades Bahá'í dos EUA e do Canadá foram reconhecidas pelo Departamento de
Informações Públicas (DIP) da ONU. No ano seguinte, em 1948, a Comunidade
Internacional Bahá'í foi reconhecida pelo DIP como uma organização
não-governamental internacional. Em maio de 1970, a CIB recebeu o status
consultivo junto ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU, permitindo um
grau maior de interação com o Conselho e com seus órgãos subsidiários nos
esforços de promover o desenvolvimento econômico e social em todo o mundo. Em
março de 1976, a Comunidade Internacional Bahá'í recebeu status consultivo
junto ao UNICEF (Fundo das Nações Unidas para as Crianças), estendendo
similarmente as oportunidades para a interação com as Nações Unidas para
promover a saúde, educação e bem-estar das crianças." [40].
Desde aquele tempo, a Comunidade Bahá'í estendeu
grandemente suas atividades junto às Nações Unidas, trabalhando intimamente com
a UNESCO, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e com o Programa de Meio
Ambiente da ONU. O pessoal da Comunidade Internacional Bahá'í também se assenta
em diversos comitês da ONU e em grupos especializados de defesa de direitos,
dando voz à sua visão de um governo global e uma fé mundial. Além disso, ao
longo dos anos, os representantes da fé Bahá'í participaram em inúmeros foros,
encontros de cúpula, conferências e grupos de trabalho patrocinados pela ONU —
relacionar todos aqui requereria um livro inteiro.
A primeira experiência substancial que tive da influência
da fé Bahá'í na ONU ocorreu quando participei do Foro do Milênio, no ano 2000.
Inaugurando o evento estava Techeste Ahderom, o principal representante da
Comunidade Internacional Bahá'í na ONU. Na verdade, ele era o copresidente
oficial do Foro do Milênio e, por trás dos bastidores, a CIB estava muito
envolvida em apoiar e manter o Comitê Executivo do Foro. [41].
A influência Bahá'í na ONU é muito abrangente,
especialmente no campo da promoção interfé. Respondendo a uma conferência da
ONU de um dia, co-patrocinada pela Comunidade Internacional Bahá'í, sobre
cooperação interfé em 2005, Jean Ping, presidente da Assembleia-Geral da ONU
declarou: "É importante que ao construirmos nossas civilizações,
aprimoremos a cooperação interfé entre os governos, a sociedade civil e o
sistema das Nações Unidas." [42].
Jeffery Huffines, um representante da CIB e membro do Comitê
de Organizações Não-Governamentais Religiosas na ONU, foi igualmente franco:
"Há um claro reconhecimento na ONU que, se a
religião é parte do problema, então também precisa ser parte da solução."
[43].
Ora, a solução, segundo a religião Bahá'í, somente pode
ser encontrada por meio de um padrão global e politicamente aceitável de
pluralismo religioso. Esta é a mensagem que, graças em grande parte à
Comunidade Internacional Bahá'í, está sendo ecoada pelos corredores da ONU.
Maçonaria, Teosofia, Unitário-Universalismo e a
Comunidade Bahá'í — todos exerceram um papel histórico e contemporâneo em
remodelar os valores e atitudes ocidentais em direção ao universalismo
religioso. O pós-modernismo, com seu pluralismo religioso, é em grande parte
uma derivação desses movimentos subjacentes. Hoje, muitos pastores cristãos,
educadores preocupados e multidões de pessoas nascidas nos anos 1950s estão se
perguntando o que aconteceu com a sociedade. Como as nações do Ocidente fizeram
a transição tão rápida dos padrões cristãos para a confusão moral e espiritual?
Quais são as implicações para a sociedade?
Onde o Pneu Pega a Estrada
Pouco tempo atrás, um professor do Ensino Fundamental me
contou que o programa de Estudos Sociais que estava sendo adotado em sua escola
era essencialmente o currículo definido pela ONU. As declarações e as
realizações da ONU eram o assunto central e tudo parecia estar baseado em um
projeto global, com a cidadania global em vista. Parte desse programa de
Estudos Sociais era ensinar a "tolerância religiosa" como um direito
humano fundamental.
Ser tolerante com os outros é uma atitude nobre, mas o
contexto não era desenvolver características altruístas, mas promover as
filosofias interfé e universais.
Em 1997, tive a oportunidade de testemunhar em primeira
mão como o universalismo religioso, sob o disfarce da tolerância, seria
aplicado nas escolas públicas canadenses. Como um participante do Congresso
Para a Juventude Cidadania Global 2000, um evento patrocinado em parte pelo
governo do Canadá, observei como os educadores e as crianças em idade escolar
foram levados a adotar as filosofias de cidadania mundial. O universalismo
religioso foi apresentado como necessário para a criação de um novo conjunto de
valores globais.
O orador convidado para o evento era Robert Muller,
ex-assistente do Secretário-Geral da ONU. Levando o pluralismo espiritual ao
seu objetivo final, ele disse aos participantes: "... somos todos unidades
cósmicas. É por esta razão que as religiões nos dizem que somos divinos. Somos
energia divina... está em suas mãos decidir se a evolução neste planeta
continuará ou não." [44].
O objetivo da conferência, sem qualquer surpresa, era
incorporar esse pensamento dentro do sistema educacional da cidade de
Vancouver, na Colúmbia Britânica, e depois cruzar o país por meio do currículo
de Estudos Sociais e outras vias educacionais. (Para saber mais sobre este
evento, leia a edição de março de 2007 da Forcing Change.) Os jovens
canadenses seriam impactados, de uma extremidade do país até a outra, com a
mudança sutil do sistema de valores de toda uma geração.
Olhando para o futuro não tão distante, como será a
sociedade? Aqui estão alguns pontos a considerar:
Para os cristãos que adotam a interpretação literal da
Bíblia e creem nas afirmações de Jesus Cristo, expressar essas convicções será
considerado culturalmente prejudicial. As afirmações de verdade religiosa
exclusiva poderão ser rotuladas como crime de ódio e receber uma legislação
punitiva. As igrejas, organizações paraeclesiásticas e as missões cristãs
poderão ser colocadas sob uma luz cultural negativa, a não ser que mudem a
mensagem para refletir a ética pluralista.
A educação será baseada em propaganda, movendo o foco do
ensino para o reino da modificação do comportamento e das crenças. Esta já é
uma tendência dominante na educação no Sistema Público de Ensino.
Alternativas espirituais serão incentivadas, com o crescimento
resultante do misticismo, do ocultismo e das práticas pagãs.
A moralidade em geral declinará. Os padrões de
honestidade, integridade e veracidade não mais serão mantidos em um terreno
firme. O relativismo moral prevalecerá.
Muito possivelmente, uma tirania burocrática de
"paz" e uma tolerância com tudo aparecerão, preenchendo o vácuo da
razão e da verdade abandonadas. Esse entrincheiramento político já foi
observado na história, com o resultado que a mão pesada do governo se faz
sentir.
As sementes de todos esses resultados potenciais já
existem e, em muitos aspectos, os pontos citados acima não refletem um cenário
futuro, mas movimentos contemporâneos que já são discerníveis.
Compreendendo como a sociedade está adotando o
universalismo religioso, o solo em que ele cresceu e o quadro grande que
apresenta, é imperativo entender o tempo em que vivemos.
Entretanto, existem problemas no arraial interfé e
pluralista.
Aceitar o universalismo religioso levanta alguns
obstáculos lógicos. Se todas as "tradições de fé" são válidas e
irradiam a verdade, então as expressões espirituais desviantes também precisam
ser toleradas. Até o mais esclarecido pluralista tem dificuldade em engolir
esta linha.
Em 2001, testemunhei esse tipo de impasse ao comparecer a
um encontro interfé em uma igreja unitária-universalista na Flórida. Durante o
intervalo, conversando com um grupo de membros do unitário-universalismo, a
discussão se voltou para os ideais do pluralismo. Um dos participantes,
obviamente perplexo, apresentou a seguinte questão: "— O que faremos com
os satanistas?"
Um dilema interessante: a posição de tolerância para
todos e verdade em tudo tem de aceitar a validade de todas as experiências e
expressões espirituais. Portanto, reconhecer somente os fundamentos morais e
dogmas das "grandes fés" à custa das religiões fora da corrente
dominante é hipocrisia e cheira a exclusivismo. Para ser intelectual e
logicamente consistente, a unidade na diversidade tem de aceitar tudo ou nada.
O questionador também acrescentou: "— E os cultos que realizam sacrifícios
humanos?"
Observei admirado como a conversa foi de uma posição
"intelectual" de tolerância para o silêncio constrangedor. Ninguém
respondeu. Ninguém queria defender o nazismo, que tinha uma inegável aplicação
metafísica e mística; ninguém queria defender a seita Portal do Céu; ninguém
queria se associar com esse tipo de religião.
O questionador tinha batido em uma das falácias mais
claras do universalismo: independente de quão frequentemente o mantra do
pluralismo seja repetido, todas as religiões não são a mesma coisa.
Outro paradoxo aparece quando examinamos o universalismo
religioso. Dizer que todas as religiões são iguais é como dizer que nenhuma
religião existe, e que a verdade, da mesma forma, não pode ser
"verdade".
Isto também segue um caminho previsível. Quando rejeita
Deus e a verdade, a humanidade se torna o árbitro proclamado, autorizando a
definição de novos padrões e novos deuses, como a Terra, o governo, o poder e
até o próprio homem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário