Pr. Lúcio Freire com guerreiros da tribo Munduruku - Jacareacanga, PA. |
Está se tornando cada vez mais freqüente a produção de propostas que, desinformadas ou preconceituosas, discriminam as ações missionárias evangélicas, especialmente entre as comunidades tradicionais.
Na sociedade em geral, a presença missionária, de maneira especial entre os indígenas, suscita toda sorte de sentimentos. Em alguns, são sentimentos de rejeição, que advém de um emaranhado de impressões e fatos históricos em relação à atuação missionária indígena desde a colonização, relembrando uma igreja que estava a serviço dos interesses políticos, imperialistas e colonizadores. Em outros, o sentimento é de suspeição, debaixo do pressuposto de que qualquer atuação missionária é nociva à preservação cultural indígena. Ainda em outros, de reconhecimento de uma atuação que colabora com a valorização sociocultural e lingüística, e com a minimização do sofrimento humano.
Para aqueles que se embutem de rejeição ou suspeição, desejamos expor fatos sociais, culturais e históricos que podem mostrar com clareza que a presença missionária evangélica entre povos indígenas está, hoje, associada a um crescente processo de colaboração com a preservação lingüística e cultural dos povos do Brasil, além de mostrar-se ativamente interessada em participar do despertar indígena que busca seu lugar neste grande país.
A AMTB (Associação de Missões Transculturais Brasileiras) representa 44 instituições missionárias formadas por pessoas de mais de 100 diferentes denominações evangélicas. Em seu Manifesto 2009, afirma que “Nenhum elemento externo jamais deve ser imposto a uma cultura. Toda imposição pressupõe carência de respeito humano e cultural, além de grave erro na construção do diálogo. Assim, a catequese histórica e impositiva, bem como qualquer outro elemento que force a mudanças não desejadas, mesmo em áreas como educação, saúde e subsistência, deve ser duramente criticada”.
Quando as motivações missionárias são questionadas em sua relação com as sociedades indígenas, há de notar-se clara discriminação. Há iniciativas particulares e governamentais junto às populações indígenas conduzidas pelos mais diversos motivos, como o político, o financeiro e o humanista. Já a iniciativa missionária evangélica tem nos valores cristãos sua principal motivação: o amor ao próximo, a solidariedade humana e o Evangelho; devido a isso, esta iniciativa sente-se freqüentemente discriminada, como se a motivação religiosa fosse menos digna que a política ou a acadêmica.
Precisamos rever nossos pressupostos. Há grave diferença entre catequese e evangelização. Todo cristão sincero e convicto de sua fé tem – ou deveria ter – o desejo de compartilhar aquilo que possui de mais precioso em seu ser e em sua cultura, qual seja, sua fé e as verdades do Evangelho, uma baseada na outra, uma construtora da outra. Tal compartilhamento, quando em um ambiente no qual este é desejado pelo receptor, não oprime a cultura. Ao contrário, promove diálogo e reflexão.
A evangelização difere-se da catequese em relação a características primordiais como o conteúdo, a abordagem e a comunicação. O conteúdo da catequese é a igreja, com seus símbolos, estrutura e práticas – sua eclesiologia. O conteúdo da evangelização é o Evangelho – os valores cristãos centrados em Jesus Cristo. A abordagem da catequese é impositiva e coercitiva. A abordagem da evangelização é dialógica e expositiva. A catequese comunica-se a partir dos códigos do transmissor – sua língua e seus costumes –, importando e enraizando valores. A evangelização se dá com a utilização dos códigos do receptor – sua língua, sua cultura e seu ambiente –, respeitando os valores locais e contextualizando a mensagem.
A influência intencional do movimento missionário evangélico orientado pela AMTB possui alvos de forte colaboração para com as preservações cultural, social e lingüística das sociedades indígenas do nosso país. Citamos alguns:
1. Contribuir para que o indígena valorize sua terra natal (homeland) e nela permaneça, evitando migrações – que são tempestivas e com conseqüência social negativa – para a beira de grandes rios e centros em urbanização ou urbanizados.
2. Colaborar para que haja um bom programa de educação na própria língua, valorizando-a e possibilitando que seus fatos históricos e sociais sejam pelos indígenas registrados, preservados e transmitidos perante a esse contexto de rápida influência social externa, que, não raramente, invalida o valor da língua materna para um grupo.
3. Colaborar para que haja programas em áreas vitais, como a saúde e o desenvolvimento sustentável, além de outras, que respondam às necessidades essenciais dos grupos indígenas.
4. Colaborar com o os movimentos entre indígenas evangélicos, especialmente liderados pelo CONPLEI (Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas).
5. Contribuir para que, em processos já em andamento de integração com a sociedade não indígena, tenham efeito os mecanismos de valorização étnica, cultural e lingüística, a fim de que o grupo não seja diluído perante a sociedade maior. Também colaborar com o grupo em sua busca por uma convivência digna com outros, quando fora de sua terra natal.
Alguns valores que nos orientam:
1. Toda imposição é nociva e desrespeitosa. Nenhum elemento deve ser imposto a uma sociedade, seja indígena ou não indígena, sob nenhum pressuposto.
2. A cultura humana não é o destino do homem e sim seu meio de liberdade. É também respeito cultural reconhecer que o indígena tem direito de fazer escolhas voluntárias e desejadas dentro de seu próprio bojo pessoal e social.
3 As motivações missionárias evangélicas para o relacionamento com as sociedades indígenas devem ser igualmente respeitadas. Motivação religiosa não deve ser confundida com imposição religiosa.
4. A evangelização se difere da catequese em relação a conteúdo, abordagem e comunicação. Cabe ao indígena mensurar o valor do Evangelho em seu ambiente – e com total liberdade.
A Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sancionada pelo Presidente Lula, assegura que “Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais sem obstáculos nem discriminação…” (Art. 3§1). “Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural…” (Art. 7 §1).
“Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos…” (Art. 8 §2). “A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste artigo não deverá impedir que os membros destes povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país…” (Art. 3). Resta citar ainda a alínea “d” § VIII do artigo V da Convenção da ONU de 21/12/65, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 3 de 1967 (DO 23/06/67) e promulgada pelo Decreto n.º 65.810, de 1969 (DO 10/12/69; ret. 30/12/69).
O Artigo 16 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2008 expõe que “Os povos indígenas têm o direito de estabelecer seus próprios meios de informação, em seus próprios idiomas, e de ter acesso a todos os demais meios de informação não-indígenas, sem qualquer discriminação”.
Determinados princípios do código de ética missionária enfatizam que devemos “incentivar a ação e, sempre que possível, colaborar com as autoridades em prol do desenvolvimento comunitário; tratar com igualdade todos os segmentos da comunidade como um todo, independente de serem ou não evangélicos, recusando-se a manipular decisões individuais ou comunitárias, seja por meio de bens materiais ou favores”.
Em outras palavras, as ações sociais, na ética cristã, justificam-se tão somente pelas necessidades sociais. Toda inferência quanto à barganha religiosa, utilizando as ações sociais como moeda de troca junto aos povos do Brasil, contrapõe-se justamente ao cerne de nossos valores cristãos e missionários. Em diversas áreas indígenas, as missões evangélicas atuaram e atuam fortemente na promoção de boa saúde, educação e dignidade, sem um envolvimento direto com a evangelização. A ação social é autojustificável. Mais uma vez, a confusão entre catequese e evangelização se faz presente. Enquanto a catequese ocorre de forma coercitiva e por meio de barganhas, a evangelização se dá por meio de atos de amor, que motivam as ações que tentam minimizar o sofrimento humano.
Nossa motivação é, de fato, cristã. Enquanto ONGs humanistas atuam sem dificuldade junto aos povos indígenas em nosso país, sentimo-nos discriminados por termos, na raiz de nossa motivação, o amor de Deus por toda a humanidade. A postura de Jesus diante dos necessitados, a quem Ele apresentou o Evangelho e, também, atendeu de acordo com suas necessidades pessoais, é nosso modelo. Assim, o movimento missionário vislumbra minimizar os males sociais entre populações indígenas.
Em uma observação imparcial, destituída de pressupostos discriminatórios quanto à evangelização, percebemos que diversas sociedades indígenas as quais mantêm um relacionamento mais próximo com missionários evangélicos valorizam mais sua própria cultura e língua neste contexto do que no passado.
A história da relação de evangélicos com os povos indígenas no Brasil, que remonta a mais de 100 anos, é também uma história de compromisso com áreas sociais carentes, sobretudo as da saúde e da educação. Os missionários, a partir de uma relação diária de aprendizado com os indígenas, de sua língua e cultura, não se furtaram a colaborar com as necessidades desses povos. Sem nenhuma discriminação, atenderam igualmente aos que se interessaram e aos que não se interessaram pela mensagem do Evangelho.
Estamos certos de que as centenas de ações sociais coordenadas por missionários evangélicos (257, catalogadas pelo Banco de Dados da AMTB), sobretudo nas áreas de saúde, educação e valorização cultural, têm contribuído – e muito – para o aumento populacional e melhoria da qualidade de vida entre as etnias indígenas em nosso país. Há dezenas de casos, como o dos Dâw, Wai-Wai, Nadëb, Jarawara, dentre tantos outros, que passaram por um verdadeiro ciclo de crescimento populacional, restauração da valorização da cultura e da língua e melhoria da qualidade de vida por meio de projetos missionários durante décadas em seu meio.
Muitas línguas que corriam risco de extinção, ou que experimentavam épocas de desvalorização junto ao próprio grupo, foram e são alvos de projetos lingüísticos que tendem a registrar sua grafia, produzir livros didáticos de alfabetização, fomentar o seu uso e garantir a sua existência para a próxima geração. Neste exato momento, lingüistas evangélicos atuam na produção de materiais de relevância para preservação lingüística e no seu uso em meio ao próprio povo, em cerca de 80 idiomas. Trabalho este nem sempre reconhecido pelo segmento acadêmico.
O treinamento missionário, normalmente baseado no “tripé” missiologia/linguística/antropologia, também tem se desenvolvido. É crescente o número de missionários pós-graduados (especialistas, mestres ou doutores) em suas áreas de atuação, como Educação, Saúde, Antropologia e Lingüística.
Em 2007, as agências missionárias evangélicas promoveram mais de 50.000 atendimentos médicos e odontológicos entre as populações indígenas em nosso país por meio de agentes de saúde permanentes ou clínicas móveis em terra indígena.
Atualmente, a igreja evangélica tem repensado cada vez mais o seu papel como agente de transformação social. Em uma visão de Evangelho integral, iniciativas e projetos surgem a cada dia. Por isso, é natural que tais iniciativas contemplem, também, os povos indígenas. Lamentamos que a linha de isolamento da política indigenista seja uma barreira para que recursos humanos, materiais e de tecnologia social oriundos dos segmentos evangélicos cheguem aos indígenas, que, como seres humanos e brasileiros, têm direitos e necessidades.
Vale ressaltar que várias organizações missionárias que atuam em contexto indígena nas áreas de assistência social são certificadas pelo CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) como entidades sem fins lucrativos, aptas para firmar convênios de parceria com o Governo e com empresas. Infelizmente, a inexistência de convênios formais impede que milhares de atendimentos realizados pelos missionários constem nos relatórios oficiais.
Incentivamos aqueles que têm dúvidas em relação às questões expostas acima, ou quaisquer outras que dizem respeito à atuação missionária evangélica entre os indígenas, a fazerem contato conosco via email ou pelo “fale conosco” disponível em nosso website. Desde já, colocamo-nos à disposição para dirimir dúvidas e interagir, em caso de uma busca por informação e esclarecimento.
Departamento de Assuntos Indígenas
AMTB – Associação de Missões Transculturais Brasileiras-www.amtb.org.br
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